quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

O verdadeiro sentido do sacrifício da Missa

Continuando a série de postagens da Rádio Vaticano (agora Vatican News) sobre a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, publicamos os dois últimos textos de 2017:


Vamos continuar a dedicar o nosso espaço Memória Histórica – 50 anos do Concílio Vaticano II ao tema da reforma litúrgica trazida pelo evento conciliar.
Nessa reforma do Concílio, percebemos 10 aspectos derenovação, a partir da Constituição Sacrosanctum Concilium. Aqui neste nosso espaço já tratamos sobre “O valor da assembleia litúrgica”, “O uso da língua vernácula” e “A importância das duas espécieseucarísticas - Pão e vinho”.
No programa de hoje, padre Gerson Schmidt, incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre, nos traz uma reflexão sobre “O verdadeiro sentido do sacrifício da Santa Missa”:

“Queremos hoje falar de um quarto aspecto da Reforma Litúrgica proposta pelo Concilio Vaticano II – o novo sentido do ofertório na Missa. A constituição Sacrosanctum Concilium afirma que Jesus instituiu o sacrifício da Santa Missa, a fim de perpetuar nos séculos, até a sua volta, o sacrifício da cruz [1].
Por isso, o “sacrifício dos cristãos não pretende completar o sacrifício da cruz, porém, torná-lo presente, atualizá-lo, desenvolver no hic et nunc a sua dimensão interna” [2].
Entenda-se bem aqui o termo sacrifício, não como oferta penitencial meramente humana para merecer a misericórdia de Deus, mas como sacrifício verdadeiramente propiciatório de Cristo que se imola, da mesma forma como se ofereceu na cruz, uma vez por todas, que agora é oferecido e atualizado pelo ministério do sacerdote que preside o mistério [3].
Na história da controvérsia luterana, fora questionado a compreensão da Santa Missa como sacrifício, haja vista tantas ofertas votivas e exageradas dos fiéis.
O Concílio de Trento, e posteriormente com o movimento da reforma litúrgica que fomentou o Concílio Vaticano II, veio a definir com mais clareza essa realidade: ...diante das negações e distorções a respeito da eucaristia, o Concílio tridentino afirmou claramente que “a missa é verdadeiro sacrifício” e que “este carácter sacrifical, que não coincide simplesmente como a refeição como tal, mas é antes uma realidade particular, não contradiz de modo algum a unicidade do sacrifício redentor de Cristo; pelo contrário, sacrifício da cruz e sacrifício da missa são, em certo sentido, um único sacrifício [4].
A palavra sacrifício, referendada à Santa Missa, portanto, precisa ser bem entendida. Na religião pagã, a palavra é traduzida por “sacrum facere”, ou seja, fazer o sagrado. A missa, sabemos não é apenas sacrifício, mas também banquete, festa, uma celebração que é memorial, refeição alegre, festiva e atual da Páscoa de Jesus Cristo.
Assim, a Eucaristia seria muito mais um “sacrificium laudis”, um louvor e uma rica ação de graças (do grego, eukharistós) pela vitória de Cristo sobre a morte – e também nossas mortes. O sacrifício da cruz tem razão de ser em vista da Ressurreição, da festiva passagem (Pessach) da morte para a vida. 
O caráter sacrifical da missa, demasiadamente penitencial, foi acentuado por uma época na Igreja. Aqui usamos o termo “sacrifício”, usado também pelo Papa João XXIII, não em sentido absoluto, mas como um dos aspectos do Mistério de Cristo, em sua oferta na cruz como sacrifício único e total. São Cipriano afirma: “e uma vez que, em todos os sacrifícios, nós fazemos a memória da paixão de Cristo – é de fato a paixão de Cristo que nós oferecemos – nós não podemos fazer diferente do que Ele fez” (Carta, 63,17).
Por isso, a Eucaristia não é um sacrifício do fiel a Deus, mas de Deus ao fiel. Precisamos tirar a ideia pagã do sacrifício que seria oferecido para aplacar a ira de Deus, como os antigos holocaustos e sacrifícios pagãos. Como aponta a Constituição Dogmática Lumen Gentium: “todas as vezes que se celebra no altar o sacrifício da cruz, pela qual Cristo, nossa páscoa, foi imolado, atualiza-se a obra da redenção” (LG  03)".

[1] SC, 47.
[2] BETZ, J. Em Mysterium Salutis 8. In: Dicionário de Liturgia, Organizado por Dominico Sartore e Achille M. Triancca, Paulus, SP, 1992, p. 1078.
[3] DS 1743. In: Dicionário de Liturgia, Organizado por Dominico Sartore e Achille M. Triancca, Paulus, SP, 1992, p. 1077.
[4] Idem, p.1077-1078.


“Por isso, a Igreja procura, solícita e cuidadosa, que os cristãos não assistam a este mistério de fé como estranhos ou expectadores mudos, mas participem na ação sagrada, consciente, piedosa e ativamente, por meio de uma boa compreensão dos ritos e orações; sejam instruídos na palavra de Deus; alimentem-se na mesa do corpo do Senhor (SC, 48)”.
No nosso espaço Memória Histórica - 50 anos do Concílio Vaticano II, damos continuidade na edição de hoje ao tema da reforma litúrgica trazida pelo evento conciliar.
No programa passado, falamos de um quarto aspecto da reforma litúrgica proposta pelo Concílio Vaticano II: “O verdadeiro sentido do sacrifício da Missa”.
Nesta nossa primeira edição após a festa do Natal, padre Gerson Schmidt - incardinado na arquidiocese de Porto Alegre e que tem nos acompanhado neste percurso de reflexão sobre os documentos conciliares - nos fala sobre “Cristo, o grande sacrifício na Eucaristia”:

"A Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a renovação da Liturgia, em seu número 47 usa o termo “sacrifício”. Dizíamos, no programa anterior, que precisamos entender esse termo na mentalidade pós-conciliar.
O caráter sacrifical da missa, demasiadamente penitencial, foi acentuado por uma época na Igreja. Inclusive o movimento litúrgico conciliar pedia ao Papa Paulo VI que se retirasse aquela parte da missa onde o padre diz: “Orai irmãos para que esse sacrifício seja aceito por Deus Pai todo poderoso” – com a resposta do povo - “Receba, Senhor, por tuas mãos esse sacrifício, para a glória do teu nome, para o nosso bem e de toda a Santa Igreja”.
O sapiente Papa Paulo VI respondeu prudentemente, na época conciliar, que não conviria tirar o joio para que não acontecesse de também com displicência se tirasse também o trigo. Por isso, por um tempo, se permitiu as experiências e adaptações litúrgicas mais variadas.
Papa São Cipriano afirma: “e uma vez que, em todos os sacrifícios, nós fazemos a memória da paixão de Cristo – é de fato a paixão de Cristo que nós oferecemos – nós não podemos fazer diferente do que Ele fez” (Carta, 63,17).
Por isso, como já afirmamos, a Eucaristia não é um sacrifício nosso a Deus, mas de Deus que se doa livremente a todos nós. Precisamos tirar a ideia pagã do sacrifício que aplacaria a ira de Deus, como os antigos holocaustos e sacrifícios pagãos.
Portanto, o grande sacrifício na Santa Missa não somos nós que fazemos, como se tivéssemos méritos por isso, mas é aquele realizado por Jesus Cristo no altar da cruz, realizado, uma vez por todas, que é atualizado em cada celebração eucarística. Na cruz, a imolação da vítima já foi realizada, numa morte sangrenta.
“Na Eucaristia, o sacrifício é incruento, sem efusão de sangue, atualizando o grande sacrifício de Cristo pela humanidade inteira”.
Pio XII, na Encíclica Mediator Dei, afirmou essa realidade do sacrifício incruento: “Diferente, porém, é o modo pelo qual Cristo é oferecido. Na cruz, com efeito, ele se ofereceu todo a Deus com os seus sofrimentos, e a imolação da vítima foi realizada por meio de morte cruenta livremente sofrida; no altar, ao invés, por causa do estado glorioso de sua natureza humana, “a morte não tem mais domínio sobre ele” (62) e, por conseguinte, não é possível a efusão do sangue” (Mediator Dei, 63).
Dizia mais o Papa Pio XII nesse encíclica: “Para que, pois, a oblação, com a qual neste sacrifício os fiéis oferecem a vítima divina ao Pai celeste, tenha o seu efeito pleno, requer-se ainda outra coisa: é necessário que eles se imolem a si mesmos como vítimas” (Mediator Dei, 88).
O Concílio, no número 48, recupera esse sentido de nosso oferecimento e participação ativa dos fiéis na missa, dizendo assim: “Por isso, a Igreja procura, solícita e cuidadosa, que os cristãos não assistam a este mistério de fé como estranhos ou expectadores mudos, mas participem na ação sagrada, consciente, piedosa e ativamente, por meio de uma boa compreensão dos ritos e orações; sejam instruídos na palavra de Deus; alimentem-se na mesa do corpo do Senhor; deem graças a Deus; aprendam a oferecer-se a si mesmos, ao oferecer juntamente com o sacerdote, não só pelas mãos dele, a hóstia imaculada; que dia após dia, por meio de Cristo mediador progridam na união com Deus e entre si, para que finalmente Deus seja tudo em todos” (SC, 48).


O próximo tema será: "A participação ativa dos fiéis".

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