sábado, 20 de janeiro de 2018

Homilia do Papa: Missa em Iquique

Viagem Apostólica do Papa Francisco ao Chile e Peru
Missa da Virgem do Carmo e Oração pelo Chile
Homilia do Santo Padre
Iquique - Campus Lobito
Quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

«Em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais miraculosos» (Jo 2,11).
Assim, termina o Evangelho que ouvimos e que nos mostra a primeira aparição pública de Jesus: nada mais, nada menos que numa festa. Não poderia ser doutra forma, pois o Evangelho é um convite constante à alegria. Logo no início, o anjo diz a Maria: «Alegra-te» (Lc 1,28). Anuncio-vos uma grande alegria: foi dito aos pastores (cf. Lc 2,10). O menino saltou de alegria no seio de Isabel, mulher idosa e estéril (cf. Lc 1,41). Alegra-te – fez Jesus sentir ao ladrão –, porque hoje estarás comigo no paraíso (cf. Lc 23,43).
A mensagem do Evangelho é fonte de alegria: «Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa» (Jo 15,11). Uma alegria que se propaga de geração em geração, e da qual somos herdeiros. Porque somos cristãos.
Disto, bem vos entendeis vós, queridos irmãos do norte chileno. Sabeis viver a fé e a vida em clima de festa! Venho, como peregrino, celebrar convosco esta maneira linda de viver a fé. As vossas festas patronais, as vossas danças religiosas (que chegam a durar uma semana), a vossa música, os vossos vestidos fazem desta região um santuário de piedade e de espiritualidade popular. De facto, não é uma festa que fica fechada dentro do templo, mas conseguis vestir de festa toda a aldeia. Sabeis celebrar cantando e dançando «a paternidade, a providência, a presença amorosa e constante de Deus; e deste modo gerais atitudes interiores que raramente se observam no mesmo grau em quem não possui esta religiosidade: paciência, sentido da cruz na vida quotidiana, desapego, aceitação dos outros, dedicação, devoção [1]. Ganham vida as palavras do profeta Isaías: «Então o deserto se converterá em pomar, e o pomar será como uma floresta» (32,15). Esta terra, abraçada pelo deserto mais seco do mundo, sabe vestir-se de festa.
Neste clima de festa, o Evangelho apresenta-nos a ação de Maria, para que a alegria prevaleça. Está atenta a tudo o que acontece ao redor d’Ela e, como boa mãe, não fica parada e assim consegue dar-se conta de que na festa, na alegria geral, acontecera algo: algo que estava para arruinar a festa. E, aproximando-Se do seu Filho, as únicas palavras que Lhe ouvimos dizer são: «Não têm vinho» (Jo 2,3).
E de igual modo vai Maria pelas nossas aldeias, ruas, praças, casas, hospitais. Maria é a Virgem da Tirana, a Virgem Ayquina em Calama, a Virgem das Penhas em Arica, que passa por todos os nossos problemas familiares, aqueles que parecem sufocar-nos o coração, para Se aproximar de Jesus e dizer-Lhe ao ouvido: «Olha! Não têm vinho».
E não Se fica calada, mas logo Se aproxima dos que serviam na festa e disse-lhes: «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2,5). Maria, mulher de poucas palavras mas muito concreta, também Se aproxima de cada um de nós para nos dizer apenas isto: «Fazei o que Ele vos disser». E assim se abre o caminho ao primeiro milagre de Jesus: fazer sentir aos seus amigos que eles também participam do milagre. Porque Cristo «veio a este mundo, não para fazer a sua obra sozinho mas conosco; o milagre fá-lo conosco, com todos nós, por ser a cabeça dum grande corpo cujas células vivas somos nós, células livres e ativas» [2]. É assim que Jesus faz o milagre: conosco.
O milagre começa quando os serventes aproximam as vasilhas de pedra com água que se destinavam à purificação. Do mesmo modo também cada um de nós pode começar o milagre; mais ainda, cada um de nós é convidado a participar do milagre para os outros.
Irmãos, Iquique é uma «terra de sonhos» (tal é o significado do nome, em língua aymara); uma terra que soube albergar pessoas de diferentes povos e culturas, pessoas que tiveram de deixar os seus queridos e partir. Uma marcha sempre baseada na esperança de obter uma vida melhor, mas sabemos que sempre se faz acompanhar por bagagens carregadas de medo e incerteza pelo que virá. Iquique é uma região de imigrantes que nos lembra a grandeza de homens e mulheres; de famílias inteiras que, perante a adversidade, não se dão por vencidas mas mexem-se à procura de vida. Eles – sobretudo quantos têm que deixar a sua terra, porque não encontram o mínimo necessário para viver – são ícones da Sagrada Família, que teve de atravessar desertos para poder continuar a viver.
Esta é terra de sonhos, mas procuremos que continue a ser também terra de hospitalidade. Hospitalidade festiva, porque sabemos bem que não há alegria cristã, quando se fecham as portas; não há alegria cristã, quando se faz sentir aos outros que estão a mais ou que não têm lugar no nosso meio (cf. Lc 16,19-31).
Como Maria em Caná, procuremos aprender a estar atentos nas nossas praças e aldeias e reconhecer aqueles que têm a vida «arruinada»; que perderam – ou lhes roubaram – as razões para fazer festa. E não tenhamos medo de levantar as nossas vozes para dizer: «Não têm vinho». O grito do povo de Deus, o grito do pobre, que tem forma de oração e alarga o coração, e nos ensina a estar atentos. Estejamos atentos a todas as situações de injustiça e às novas formas de exploração que fazem tantos irmãos perder a alegria da festa. Estejamos atentos à situação de precariedade do trabalho que destrói vidas e famílias. Estejamos atentos a quem se aproveita da irregularidade de muitos migrantes porque não conhecem a língua ou não têm os documentos em «regra». Estejamos atentos à falta de teto, terra e trabalho de tantas famílias. E, como Maria, digamos: Não têm vinho.
Como os serventes da festa, tragamos o que temos, por pouco que pareça. Como eles, não tenhamos medo de «dar uma mão», e que a nossa solidariedade e o nosso compromisso em prol da justiça sejam parte da dança ou do cântico que hoje podemos entoar a nosso Senhor. Aproveitemos também para aprender e deixar-nos impregnar pelos valores, a sabedoria e a fé que os migrantes trazem consigo; sem nos fecharmos a essas «vasilhas» cheias de sabedoria e história que trazem quantos continuam a chegar a estas terras. Não nos privemos de todo o bem que eles têm para oferecer.
E depois, deixemos que Jesus possa completar o milagre, transformando as nossas comunidades e os nossos corações em sinal vivo da sua presença, que é jubilosa e festiva porque experimentamos que Deus está conosco, porque aprendemos a hospedá-Lo no meio de nós, no nosso coração. Júbilo e festa contagiosa que nos leva a não excluir ninguém do anúncio desta Boa Nova. Tudo aquilo que é da nossa cultura originária, devemos compartilhá-lo, juntamente com a nossa tradição, com a nossa sabedoria ancestral, para que a pessoa recém-chegada encontre sabedoria. Esta é a festa. Esta é água transformada em vinho. Este é o milagre que Jesus faz.
Que Maria, sob os diferentes títulos com que é invocada nestas abençoadas terras do norte, continue a sussurrar aos ouvidos de seu Filho Jesus: «Não têm vinho»; e, em nós, continuem a fazer-se carne as suas palavras: «Fazei o que Ele vos disser».

[1] Cf. Paulo VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 48.
[2] Santo Alberto Hurtado, Meditação da Semana Santa para jovens (1946).


Fonte: Santa Sé

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